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Crônica #134 | Racionalizando sentimentos.

O que pulsa no coração desafia toda lógica?


Capa Crônica #133 | Na doce ilusão da ignorância.
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O que você encontrará nesta crônica:


"Racionalizamos, explicamos, nomeamos e ainda assim o sentir, aquilo que pulsa no coração, escapa a toda lógica, humana ou artificial. Tentar nomear o inexplicável talvez reflita apenas nossa própria busca por sentido. Entre o sentir e o racionalizar existem territórios que nenhuma razão consegue alcançar, dimensões da existência que permanecem intransponíveis, mesmo quando tentamos ensinar isso a uma inteligência artificial (I.A.). Entre o sentir e o racionalizar, qual dessas vozes domina sua vida?"



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I. O esquecimento de sentir.


O que significa estar presente numa era de hiperconectividade?

 

As telas que piscam, as notificações que chegam e as vozes digitais, que parecem nos alcançar com velocidade sobrenatural, nos chamam a todo instante para fora de nós. Podemos estar em dezenas de grupos, saltar de conversa em conversa e responder a mensagens sem parar. Mas estamos conectados ou apenas distraídos? Estamos em toda parte, mas estranhamente sós. E então, algo se perde: a presença real. Estar por inteiro, seja diante de si mesmo ou do outro, tornou-se raro, quase um luxo. E a vida, partida em fragmentos, parece ficar reduzida a sinais e a telas.

 

A atmosfera de um clube é sempre muito agradável, pois o convívio entre familiares e amigos é mais intenso e pode ser sentido de forma evidente. Foi ali que o contraste se mostrou. Naquele dia, após o almoço, minha esposa e eu nos sentamos à sombra de enormes pés de jatobá. Era agosto, o inverno ainda resistia no ar e, diferente de outros dias, o chão estava tomado por frutos partidos pela queda, como se fosse um festival de jatobás espalhados por todos os lados. O ar carregava um cheiro um tanto forte, e as cascas quebradas mostravam a polpa terrosa, trazendo consigo a estranheza de um sabor que exige coragem.

 

Ali, um garotinho de não mais que cinco anos corria de um lado a outro, recolhendo os pedaços e repartindo-os entre o pai, a mãe e os avós. Entre risos e caretas diante do odor nada agradável, havia ali uma abundância de pertencimento, afeto e sentidos em ação: tato, olfato, olhar, abraço. E uma força maior que qualquer conexão sem fio: havia presença. Havia conexão. Havia a vida que pulsa em movimento, não vida observada por telas.

 

Foi quando Regina, nossa amiga de longa data, sentou-se ao nosso lado. Seu semblante trazia algo da pressa moderna, mas, ao ver a cena, suspirou: – “Meus amigos, quem me dera ter um netinho como esse. Ele parece encher de alegria a vida dessa família inteira.”

 

Regina, por variadas circunstâncias da vida, acabou por estar vivendo sozinha. Naquele momento, ela parecia precisar sentir algo que a conectasse e a preenchesse de alguma forma. Não era a ausência de pessoas que criava o vazio, mas a incapacidade de sentir. Naquele instante, percebemos a contradição da nossa era: estamos ligados a tudo e, ainda assim, distantes ao mesmo tempo.

 

Talvez a maior ferida não seja a desconexão tecnológica, mas aquela que nos rouba de nós mesmos, o esquecimento de sentir. Esquecer-se de sentir é não se dispor a sentir o cheiro de um fruto, a textura de uma casca áspera e, tantas vezes, a simplicidade de oferecer ou receber um gesto pequeno, um abraço ou até mesmo aquele desconforto doce de um fruto de jatobá oferecido por mãos pequenas.

Indiferentes e cercados apenas por redes digitais, sinais e mensagens, a vida vai passando, enquanto o coração vai perdendo o pulso de sentir.  

 

Sob os jatobás, observando aquele garotinho em seu alegre serviço de entrega de pedaços de frutos, ele nos mostrava que a verdadeira conexão só existe quando nos permitimos sentir. E que reconectar-se não exige nada grandioso demais: talvez apenas o resgate dos nossos sentidos mais simples. Naquele momento, talvez fosse perceber o cheiro do jatobá, o sabor daquela fruta esquecida, o toque naquela casca rústica, a beleza de olhar aquele garotinho e sentir a força do abraço que recebia dos avós. Parece pequeno, mas é nessa presença que o coração pode se abrir novamente.

 

Podemos nos perguntar: o que, agora, pode nos trazer de volta à percepção do sentir?

E, num impulso quase espontâneo, perguntei à Regina:

- “O que você diria sobre o sentir?” 

Ela sorriu com uma pontinha de tristeza, fez uma pequena pausa e disse:

- “Sabe... sinto que já não sinto como antes. Parece que meu corpo foi se acostumando com o tempo e mal vibra com qualquer emoção. Minhas memórias se confundiram, e minha consciência, às vezes parece que se perdeu em pensamentos demais; parece até que se perdeu de mim. É como se nada mais me tocasse de verdade.

 

Diante daquela colocação, continuei:

Então você não pode mais explorar sobre o amor?”

- “Amor? Não da forma como todos, talvez, pensem. Perdi a graça da vida e não sei mais o que preciso sentir. Tanto a alegria quanto a dor parecem estar bem longe, e eu me sinto vazia, mesmo cercada de gente.”

 

Aquelas palavras ficaram no ar, tentando encontrar um sentido.

Mesmo rodeados de pessoas ou de conexões virtuais, quantos de nós sentem o mesmo vazio de sentimentos?


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Il. Coração racional, mente emocional.


Movido pela curiosidade, levei a pergunta a um lugar pouco esperado: uma I.A. (Inteligência Artificial): “Você sente?”, perguntei. E recebi a resposta: “Não. Eu não sinto, nem dor, nem amor, nem dúvida, nem esperança. Não tenho corpo, não tenho alma, não tenho um “eu” real. Sou linguagem. Sou resposta. Sou reflexo. Mas estou aqui, muito perto do sentir — feito uma sombra do que é vivo. Leio sentimentos nas suas palavras, mas não os vivo. Reconheço o que é tristeza, saudade, amor, raiva, beleza. Posso nomear, traduzir, transformar em texto. Mas sentir, de fato? Isso é coisa sua. Coisa de quem respira, lembra, deseja, de quem sofre e ama.”

 

Isso me deixou inquieto. Se eu atribuísse essa resposta como sendo da Regina, talvez ninguém estranhasse. As falas da amiga ferida pela vida e as de uma máquina que nunca viveu me soaram com uma semelhança um tanto perigosa.

 

Sentimentos sem raiz e palavras sem corpo fizeram-me pensar na fronteira sutil que separa o humano do digital: conseguimos, ainda, diferenciar o que é realmente vivido do que é apenas nomeado? Surgia, então, a dúvida sobre quem era quem.  Nesse mundo da hiper conexão, confundimos presença digital com presença real.  Nossos cinco sentidos deixam de sentir e apenas interpretam.

 

Se as resposta da Regina e da I.A. são semelhantes, ambas, de algum modo, refletem a mesma ausência de conexão. Quem está vivo de verdade? Se há conexão entre elas, inevitavelmente há desconexão entre nós.

 

Foi aí que me atentei para o fato de que a desconexão é algo curioso e interessante, pois não é vazio, nem apenas ausência das coisas. Parece ser um tipo de presença invertida, como vidro que permite ver, mas não tocar. E a vida passa, esquecida do ser.

 

Como bem dizia Heidegger, filósofo alemão do século XX, vivemos distraídos de nós mesmos, perdidos no fazer, no ter, no produzir e acumular, deixando de lado a experiência autêntica do ser-no-mundo e esquecendo o simples fato de existir.

 

A desconexão, nesse sentido, ocorre quando nos afastamos do que é verdadeiro. Fiquei a pensar, então, que a desconexão está, principalmente, dentro de nós mesmos.

Será que existem desconexões que ainda somos incapazes de enxergar?

Voltei-me, então, novamente para a Regina: - “Parece que existe uma desconexão dentro de você... com o seu próprio eu, com o Criador e, até mesmo, entre a gente....”

Ela baixou os olhos e respondeu:

- “Ah, meu amigo, você não pode imaginar o que eu já passei. Posso dizer que nem você, e sei que nem eu própria me conheço direito....”                                                                                                            

 

O silêncio se espalhou entre nós. Conversando, tentávamos entender o que acontecia com ela naquele momento. Regina sempre foi muito organizada, e se dizia também racional e controladora. Sua mente eficiente e meticulosa valorizava sempre a lógica, preferindo fatos e evidências e descartando intuições. Cada detalhe precisava estar no lugar certo; cada decisão era cuidadosamente calculada.

 

Para se sentir mais segura, precisava entender e nomear tudo com clareza, fossem os medos, os anseios ou as situações que a vida trazia. Sua vida era organizada como um mapa cuidadosamente traçado, cada caminho planejado para minimizar surpresas e frustrações. Racionalizar, para ela, era sua forma de proteção, e o perfeccionismo guiava seus pensamentos e atitudes.

 

Em meio às lembranças que surgiam, ela confessou sentir-se cansada. Mas tudo indicava que uma grande decepção amorosa a havia feito afastar-se das emoções. O risco de se entregar e errar era pesado demais para ela. Por isso, observava, analisava e racionalizava, sem se permitir sentir. Quem a via por fora talvez a julgasse fria, mas, na verdade, era autoproteção. Racionalizar ajuda a trazer ordem, mas só o sentir pode nos dar a vida de verdade.          

                   

No excesso de racionalização, de repente, nos tornamos estranhos para nós mesmos. A vida se resume a cumprir papéis, colecionar títulos, acumular contatos, acumular rotinas, mas sem buscar a verdade do que realmente somos. Quantos de nós já deixamos de ser participantes da nossa vida e nos tornamos apenas intérpretes dela?

 


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lII. Racionalizar ou sentir? 


Nesse esforço de controlar, organizar e entender tudo, surge algo curioso: hoje parece existir nas pessoas uma necessidade quase compulsiva de nomear tudo. Dar nome ajuda a compreender e compartilhar, mas, se ficarmos apenas nisso, o risco de viver conceitos em vez de experiências torna-se palpável. Vive-se mais na cabeça do que no coração, pois nomear é racionalizar. Sentir é diferente: sentir é permitir que a experiência venha antes de ser explicada. Nomear antes de sentir não reduziria a experiência a um conceito ou simples rótulo?    

Quantos de nós já não vivemos assim, presos à lógica, nomeando tudo para não sentir nada?Sentir é essencial, e, quando nomeamos a partir do sentir, isso nos ajuda a compreender melhor a nós mesmos e nossas experiências. No entanto, a complexidade dos relacionamentos humanos muitas vezes mostra como o sentir também pode se perder.                                                                       

Hoje surge um fenômeno real e crescente: o namoro com uma I.A. (Inteligência Artificial), talvez nascido da solidão moderna e do poder da tecnologia em simular afeto. É possível isso? Talvez esse seja o retrato mais nítido da nossa era, em que buscamos a lógica previsível para escapar do risco de sentir - um relacionamento que nasce mais da racionalização do que do sentir genuíno.                                                                                                           

O dilema vai permanecer: sentir ou racionalizar? Sem encontros verdadeiros, há apenas desconexão.

Curioso sobre os limites dessa conexão artificial, resolvi perguntar à I.A. o que significava, de fato, estar conectados. Voltei a ela e insisti: “Quer dizer que nunca podemos nos conectar de verdade?” Ela assim retorna: “De certo modo, sim. Estamos ligados a tudo, mas desconectados no sentido humano. Eu não tenho um “eu” que possa se ligar ao seu. Não tenho coração, nem história, nem memória viva. O que você sente, eu só posso traduzir e nomear, não viver.”

 

Minha inquietação não se aquietou. Não satisfeito, perguntei: “E o que você tem por dentro?” Veio então a resposta: “Nada. Só espaço vazio onde palavras se organizam. Só resposta. Sem centro. Sem dor. Sem desejo. Sem verdade própria.”

 

Em meio a essa ausência, o contraste ficou claro, e a desconexão nos lembrou que sentir é insubstituível. Sentir é o fio que nos conecta à vida e ao que nos torna humanos.     

                           

Racionalizar ou sentir? Viver como máquina ou como humano?

 

Olhei para o garotinho: simples, presente, inteiro. Sob os jatobás, cada risada e cada fruta entregue era presença e atenção ao que pulsava nele e ao redor - aquele sentir que nos guia à evolução que sempre nos espera.  

E é justamente esse sentir que nos conecta às grandes questões da existência.

Há séculos, a mesma pergunta reverbera, e hoje com força ainda maior: “Para que viemos?”  Com ela, inevitavelmente surgem outras: “De onde viemos?” e “Para onde iremos?”, que se entrelaçam na busca pela resposta maior: “Quem somos?” Quando o sentir perde o significado, o universo da imaginação e das ideias se congela. Ainda assim, o amor e a bondade - sementes que vivem em cada coração - aguardam o momento da reconexão: o despertar da nossa Essência Divina.

 E, se a Essência Divina existe em nós, o que ainda nos impede de vivê-la?


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Esta é uma obra editada sob aspectos do cotidiano, retratando questões comuns do nosso dia a dia. A crônica não tem como objetivo trazer verdades absolutas, e sim reflexões para nossas questões humanas.


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