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Foto do escritorOtavio Yagima

Crônica #92 | Hotaru, seu brilho, sua luz

A luz na essência de nossas almas.



O que você encontrará nesta crônica:


Muitos, perdidos estamos em meio à busca pela compreensão um pouco melhor da constituição de um ser humano, das transformações ocorridas, e principalmente diante do reconhecimento da importância de uma alma. Compreender melhor as composições de sentimentos, relacionamentos não só de si, mas com todo o meio em que estamos inseridos. No reconhecimento maior de que há o Criador desse imenso Universo, e talvez descobrindo o Eu Maior que existe dentro de si, e que de alguma forma ainda desconhecia, apagado e distante como um pequeno vaga-lume sem luz. Prontos para essa pequena jornada?


I. Empuxo do cotidiano.


O dia estava quente, prenunciava a verdadeira razão da proximidade do nosso verão. Entretanto, ao anoitecer, aquele calor foi se dissipando dando lugar a uma brisa suave; pairando no ar uma temperatura agradável de noite primaveril.


Depois do dia estafante, pude relaxar os pensamentos ao lado da nossa fogueira, em companhia da minha família. Em ocasiões assim, somos sempre atraídos pelas danças das chamas, e pelas revoadas de fragmentos que se lançam no céu escuro. Pensamentos que acompanham esses ritmos, um entrelaçamento da minha alma com o infinito cósmico.


Temos um extenso pergolado ao longo do nosso jardim, e no auge de sua delicada beleza lindos cachos de Jade, da cor azul, se esparramavam por todos os lados. No silêncio daquela noite, com apenas sons dos ventos suaves, que deslizavam entre as folhagens, avisto perto da flor azul um ponto iluminado. Nada justificava aquele pontinho, que ora se apagava e ora acendia. Fiquei atento e novamente aquele pontinho chamou minha atenção. Que mágico e surpreendente, que linda surpresa! Era um vaga-lume! Aqui vamos chamá-la de Hotaru (vaga-lume em japonês). Muito surpreso e comovido com a ilustre visita, fiquei a conversar com ela.


- “Minha pequena luz. O que você faz aqui sozinha?”

- “Vim em busca de uma luz que pudesse me fazer iluminar mais forte...” Assim ela me responde.


- “Há tempos que não vejo suas irmãs. A sua presença me trouxe uma doce e terna lembrança, de exatamente quarenta anos atrás. Era verão de 1.983, eu e minha esposa estávamos em uma belíssima ilha da Grécia. Jamais tivemos igual espetáculo, centenas, talvez milhares de vaga-lumes numa dança de luzinhas, de impactar fortemente a mais fértil das imaginações. Um cenário tirado de contos de fadas que permanecerá pela eternidade, vivamente deslumbrante, em nossas memórias. Piscavam intensamente por todos os lados, numa das mais fascinantes e belas orquestras de movimentos; gentilmente presentada a nós pela nossa magnífica mãe natureza.”


Os pirilampos desapareceram dos grandes centros urbanos. As luzes dos postes das cidades, das casas, dos carros, e a poluição ambiental fizeram com que se tornassem invisíveis, e sumiram pela destruição do seu habitat natural. Mesmo que se reunissem em milhares, difícil seria sobrepujar a luz artificial criada pelo homem.


- “Estou sozinha nesse momento, e venho me desabafar. Mas talvez seja uma confissão, um segredo que jamais revelei. Mesmo que contasse a minha vida, muitos não acreditariam; afinal sou apenas um fóton entre bilhões nessa Terra.” Assim ela me sinaliza.


- “Não se importe com outros, nem como você está. Você pousou aqui por alguma razão, e faça dessa razão algo que possa lhe significar muita importância. Aqui você está agora, no que posso lhe ajudar?” Eu disse.


II. Hotaru - a singela pequena luz.


Hotaru reflete sua suave luz, pausadamente, para mim.


- “Desde que fui resgatada, tudo é muito novo para mim. O mundo aqui fora é muito diferente do mundo que eu vivia, em tudo, não há particularidades, tudo é completamente novo. Quando saí e comecei essa nova vida, foi como aprender a voar novamente. Não sabia que tinha uma mãe, e então de repente me vi diante dela. A mãe, a que nos dá à luz, à vida. Fui conhecendo seus entes e tudo à sua volta, ouvindo muito sobre um ser com uma luz, que girava como um farol, e que auxiliava quem fosse iluminado por ela. Tive uma vida presa às sombras de uma enorme rocha. Geralmente essas rochas escuras, nos colocam sob fortes conceitos, subordinações e principalmente de condicionamentos obtidos de ensaios, fora da luz solar, presa nas sombras da noite. Em inúmeras outras razões, ensaios de habilidades de manipulações de luzes, despertou-me o poder dessas ações, na vida e destinos de outros seres.”


Hotaru, composta de forças além dos meus conhecimentos, trouxe para fora um universo que acreditava que não existia: a felicidade. Estava mergulhada num mundo de ilusões, como contos em cuja magia tudo era envolvido. Muitas vezes, o que vemos do lado de fora se apresentam como miragens, criando falsas fachadas, obscurecendo a verdade; menosprezando e manchando nossas percepções interiores. O nosso interior é habitado pela verdadeira realidade. A nossa pessoa interior clama por mais atenção e o acender de sua luz, o que sem sombra de dúvidas, refletirá em nossas vidas exteriores. Inspirando coragem, talentos e habilidades, elementos de transformações em nosso ser.


- “Hotaru! Imagino e vejo você como uma jovem bonita, inteligente, e seu poder sensitivo me despertou algo muito contemplador: a descoberta da Luz. E é natural, que ao sairmos de repente de um túnel escuro, por reflexo fechamos os olhos, e colocamos nossas mãos para tapar a força que ela produz. Nesse primeiro instante, a vontade é ainda maior de abrir os olhos, mas não conseguimos. Gradativamente, ainda cabisbaixo então, inicia-se um primeiro contato. Esse impacto leva a um despertar, e assim a luz descortina um novo conhecimento: o Divino. E então tudo se torna novo, tudo se torna potencialmente acolhedor...”


- “Sabe... os comportamentos dos chamados entes, chamados de família, dos que viveram ao meu redor, fizeram com que eu perdesse confiança na essência de mim mesma.” Assim Hotaru explica.


- “Você, minha querida Hotaru, viveu num mundo de magias, talvez a palavra certa seria ilusões. Sozinha aqui está emitindo sua luz, e percebe-se na sua solidão a ausência de uma amizade verdadeira. Uma amizade consigo mesma. Tudo que aqui temos é um conto de fadas, apenas os que souberam entender a luz que cada um emite, saberão o que é bondade, o que é amor. Não se importe com o que outros pensem da luz que você emite. Não se importe com possíveis zombarias, todos somos únicos. Bem-vinda à descoberta da sua verdadeira Hotaru.”


Sua luz se apaga por um momento:

- “Pior me sinto, pois provei do mel, provei do açúcar, do doce que é ter entes reunidos como uma família. E então tudo se dissipou, de repente, de um momento para outro. Envoltas de melancolia e solidão, agora somos apenas eu e minha mãe. Saudades do calor do amor dos entes queridos que nos amam, ou amavam? Talvez não nos amem mais.” Diz Hotaru.

 

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III. Flor de jade azul.


- “Você vê a cor azul dessa flor de jade? Pois bem, você a vê por existir uma única razão: porque existe luz. Sem ela, nada existiria, nada refletiria. Ela representa sua mãe. Aguardou sua presença, despontando nesse canto, naquele canto, e oferecendo néctar para as abelhas. Mas você não é abelha, é uma Hotaru. Não precisou do doce. Apenas o reconhecimento de um brilho. Ela não emitiu luz como seu poder único. Sua mãe, o néctar para os demais, mas sempre esteve aqui lhe aguardando...por isso seu questionamento. Quem é minha mãe? E você se questiona: sou uma pequena luz e ela uma bela e formosa flor azul. Onde estão nossas semelhanças?”


E assim Hotaru continua sua narrativa.


- “Confesso também, que ouvindo de minha mãe as histórias sobre tudo o que passamos, desde que começamos a compreender que há um outro mundo, aqui eu lhe questiono: será que senhor vai acreditar em tudo isso? Será que pelas costas não está rindo disso? Minha mãe conta histórias de uma forma meio lúdica, tudo o que ela passa é verdade, mas o modo dela falar parece mais ter saído de um livro de ficção, se nem eu mesmo às vezes acreditaria, imagine alguém de fora.”


- “Querida Hotaru. As palavras podem ser modificadas. As histórias podem ser contadas conforme a versão do narrador, entretanto, a fé na sua verdadeira concepção, será sempre inabalável. Se a fé é algo que transcende o relativo, não haverá contradições, e não haverá dúvidas nas energias de alma. Quando despertamos para a verdadeira razão de viver, os que rodeavam cobrar-nos-ão nossas mudanças. E neste encalço, muitos reconhecerão pelo nosso exemplo, a existência da redenção. Nas demonstrações das condutas e princípios, no verdadeiro sentir, somos cobrados incessantemente. Assim se leva a conduzir ao reconhecimento da verdade que existe, ainda que seja relativa. Sentir a presença da harmonia, justiça, paz e felicidade, agora num nível um pouco mais concreto... Hotaru, quando nosso ponto de referência muda, é natural que surjam inseguranças nos pensamentos, alguns rastros de um passado duvidoso nos importunam, o presente inacabado, e o futuro.... O futuro: para que tanta ansiedade se fazemos no hoje, a existência do que ele será?”


IV. Pontos de luz.


- “Não se aflija. Continue emitindo sua pequenina luz, como agora faz. Chamou a minha atenção, como chamará de outros, e de muitos que precisam de um ponto emissor de luz. Todos nós nascemos com um compromisso, e cabe a cada um reconhecer isso em si. Imagina numa noite sem a luz da Lua, enxergar um ponto de luz? Uma esperança é iluminada. Descobrir o seu caminho é tarefa de cada um, com coragem e sem temor. Situe-se na posição de um farol. Ele é construído com planejamento, numa base rochosa e não sobre dunas que são movediças. Ele passa por inúmeras provas, nas dificuldades de ventos fortes, ondas altas em momentos tempestuosos. Mas, ele precisa se manter forte, para que aquela luz que fica no topo não seja apagada, seja por forças da natureza ou pelas forças ocultas, de intenções malevolentes. Precisa resistir aos ataques dos piratas do ódio. Precisa se manter firme para que não roubem a lâmpada emissora. Porém, mesmo que tudo isso ocorra, ainda assim, existirá algo que na sua constituição, nessa pesada dimensão não pode ser tomada: o amor ao próximo. Algo que se complementa como um cordão que liga a terra ao céu.”


Hotaru envolvida ainda em dúvidas, pensa em voar para a escuridão. Sem nem mesmo perceber por si própria, que um forte conteúdo já está dentro dela. Quantos queriam ter esse poder de emitir uma luz? Quantos gostariam de trocar de lugar? Quantos queriam ter o poder de voar? Entretanto, nos seus poderes também rondam perigos e cuidados. Muita luz chama atenção, surgindo perseguições e cobiças do seu brilho. Um voo mais alto pode ser levado pela força do vento, ou da força da mente coletiva. A luz brilhará mais fortemente quanto mais escuridão se apresentar. Portanto, sempre haverá melhores lugares e melhores momentos de emitir luz.


- “Mas temos que viver nas sombras ou nos isolar em algum canto desse mundo, até quando? Sou perseguida e querem me ver condenada, excluída, extinta, apagando minha pequena luz.” Assim Hotaru expõe.


- “Não minha querida luz, seja a Hotaru, simplesmente uma vaga-lume. Deixe o tempo ditar seu ritmo. O simples prevalece na natureza. No reconhecimento da sua própria existência, dilui-se as obrigações e tudo passa a ser algo prazeroso, e esse mundo bem melhor para se viver. Sua mãe, essa flor azul, deixe-a assim, pois ela possui a sua beleza e projeta sua presença ora na natureza, ora em festas, ora em momentos de despedidas dessa dimensão. Uma luz de um farol, tem como missão iluminar 360 graus. Não importa onde atinja. Somente aqueles que estão em busca e atentos, enxergarão. Ela não acompanha apenas uma embarcação, a embarcação que decide se deve segui-la ou não. Muitas vezes sua luz poderá parecer fraca, pois é comum passar na sua frente névoas ou tempestades.”


Tarde da noite, já próximo da hora de um merecido descanso físico, Hotaru acende mais uma vez a sua luz. Antes de alçar voo, ela assim sinaliza pela última vez.


- “Estes momentos que aqui vivi se misturaram a um longínquo tempo, em que pousei em uma pedra, em um alto de uma colina, ouvindo as palavras de um pensador. Vi muitas pessoas ao redor ouvindo seus ensinamentos. Junto com a sua filosofia pude ver a luz daquele ser, iluminando os que ali buscavam as suas individuais metamorfoses. Então assim vendo, agora com o coração aberto à luz, essa luz tantas vezes cantadas pela minha linda flor azul, acendi minha luzinha e me emocionei.”


Seja de que tamanho for, todos temos aquele pontinho luminoso que sempre clamará por acender, por irradiar sua luz em nosso ser. Capazes de expurgar de nossas almas os sentimentos em sombras, inspirando em felicidade os mais desalentados corações.


O que nos impulsiona optar por uma beleza iluminada?

Não importa o tempo, tudo ou nada farão sentido, ao cruzarmos o ponto dessa escolha.


Por mais minúsculos que possamos parecer, assim como um pequenino vaga-lume, não estamos aqui para simplesmente sermos menosprezados ou descartados.


Sejamos ao menos como eles, acendendo a nossa pequena luz, em todos os lugares por onde passarmos. Levando a luz, mesmo que por alguns breves momentos, pois poderá ela nos contemplar, com a tentativa de entendermos nossa própria existência, diante desse insondável, gigantesco, e belíssimo Universo.


Gratidão brotará entre as pequenas luzinhas se duplicando, tecendo com o seu contagiante poder, uma linda e iluminada constelação de fraternidade.

Não estaria na luz que brilha no âmago de nossas almas, todas as respostas que procuramos?


Vaga-lumes, pirilampos, hotarus... onde estão vocês?

 

Esta é uma obra editada sob aspectos do cotidiano, retratando questões comuns do nosso dia a dia. A crônica não tem como objetivo trazer verdades absolutas, e sim reflexões para nossas questões humanas.

 

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