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Foto do escritorOtavio Yagima

Crônica #101 | Arrependimento? E agora?

Em busca de redenção.


capa da crônica 101 arrependimento? e agora?

O que você encontrará nesta crônica:


Em nossos caminhos complexos e repletos de reviravoltas, o passado muitas vezes se faz totalmente presente. O arrependimento, cravado no presente, é um sinal de alerta vermelho. A mudança é inevitável. E então? Aceitar, negar, fugir, ignorar? Como mudar a situação? Haveria ainda tempo?

O arrependimento pode ser apenas uma sombra do passado ou uma bússola para um futuro mais consciente. Pode ditar uma sentença final ou convidar para uma transformação, buscando a redenção para transcender as próprias falhas.

Será o arrependimento um eco vazio ou a semente de uma metamorfose interior?



 


I. "O fim dos tempos".


Vamos embarcar em um almoço descontraído no clube, numa reunião entre amigos onde as mulheres são as estrelas principais. E adivinha quem são os únicos três aventureiros nessa jornada? Eu e os respectivos maridos de duas delas!

 

A conversa fluía livremente, abordando assuntos que iam de filhos a reflexões sobre a situação global atual, culminando na expressão “é o fim dos tempos”. Um silêncio meio geral pairou sobre o grupo, até que uma delas, a amiga mais eclética, persistiu na conversa apocalíptica com algumas delas, enquanto outras se dispersaram em conversas paralelas.

 

Fiquei em alerta, consciente de estarmos vivendo um momento histórico da humanidade, que verdadeiramente exige um despertar em massa. Era intrigante pensar em qual caminho essa amiga mais eclética percorreria. Então, aproveitando-se da expressão usada por ela, outra amiga expressou sua perspectiva:

 

- “O fim dos tempos está para mim. Arrependo-me até o último fio dos meus cabelos por ter casado com o meu ex-marido e, pior, abandonado minha carreira profissional.”

 

A mulher falou com gestos enérgicos, testa franzida e olhar revoltado. Apesar de todos os seus esforços, ainda não conseguira se recompor e nem se recolocar no mercado de trabalho. Separada e com três filhos ainda dependentes, enfrentava grandes dificuldades. Sua filha adolescente, que estava do outro lado de uma das mesas com uma amiga, acompanhava dispersa, focada em seu celular.

 

Subitamente, sua atenção voltou-se para a mãe, e a adolescente interveio rapidamente, exclamando: - “Eu me arrependo de ter nascido…”

 

O ambiente novamente se encheu de silêncio. Ouvir a continuação da frase despertou a atenção de todos, mas ela voltou-se para o celular, mergulhando novamente em seu próprio mundo. Prontamente, a mãe dirigiu palavras à filha, pedindo desculpas pela falta de educação.

 

Muitos de nós já ouvimos essa frase, frequentemente utilizada por pessoas insatisfeitas, não apenas em relação à posse material, mas profundamente vinculada ao peso emocional. Honestamente, muitos de nós poderiam simplesmente atribuir isso à fase adolescente, rotulando como drama ou carência afetiva. Contudo, o ato da jovem proporcionou uma oportunidade valiosa para uma reflexão profunda. Há diversas perspectivas em relação aos diferentes pontos de vista.

 

A mãe, que carrega arrependimento por uma escolha no passado e exibe sinais de culpa, desabafa com as amigas, como se estivesse implorando por ajuda. Observo muito esse tipo de comportamento entre as mulheres. Ao contrário dos homens, elas não têm dificuldades em falar sobre seus problemas e suas vidas.



 


II. A dor de ações passadas.


Você já experimentou a sensação de arrependimento?


Sejam eles pequenos ou grandes, provavelmente, todos nós já o experimentamos. Remoer ações tomadas ou não tomadas por alguém, assim como as decisões que você fez ou deixou de fazer? E muitas vezes lidar com o remorso, aquela sensação de culpa que nos consome por dentro, é um tanto desafiador. Muitos se arrependem por terem feito algo, enquanto outros se arrependem e lamentam por não terem feito esse algo. Qual seria a melhor opção: arrepender-se por ter feito algo ou por não ter feito nada?


Tem ainda aquelas pessoas que afirmam não se arrependerem de nada; é muito raro, e na verdade, é provável que a maioria delas viva em negação. Ignorar ou negar os arrependimentos pode parecer mais fácil do que enfrentá-los, mas a negação a longo prazo pode causar danos à saúde emocional e ao bem-estar.

 

O arrependimento é uma resposta emocional associada ao pesar por ações passadas, especialmente quando percebemos que as consequências foram negativas em comparação com outra escolha que poderíamos ter feito. Geralmente, ele se manifesta como tristeza, remorso, raiva, ou também como uma sensação de perda. É a tristeza que surge, pela consciência, da dor que se causou a outrem.


Ele pode se manifestar imediatamente após um evento ou ao longo dos anos, à medida que vamos evoluindo e refletindo sobre nossas ações passadas. Essa emoção é uma jornada intensa, uma experiência que, apesar da dor e de ser perturbadora, carrega consigo algo sublime: a oportunidade talvez única de um novo começo, uma reconexão com nossa essência mais profunda. Contudo, para alcançar essa transformação, muitas vezes, é necessário enfrentar momentos difíceis e humilhantes. São essas experiências que causam dor, deixando marcas e cicatrizes profundas. Ao atingir esse ponto de vulnerabilidade, talvez possamos compreender verdadeiramente a importância do arrependimento genuíno. 


Entender que o sofrimento do passado não determina o futuro incentiva a autocompaixão e o perdão. Ao olhar para si mesmo com gentileza e tolerância, reconhecendo a humanidade no ato de errar, abre-se espaço para a aprendizagem. Sem que o passado defina a identidade pessoal, compreende-se que cometer erros não anula o valor individual. Transformar as dificuldades anteriores em força facilita a construção de uma vida mais significativa, possibilitando também ajudar outras pessoas. Cada experiência, seja positiva ou não, pode servir como um impulso construtivo.

 

A busca da redenção não significa eliminar as acusações; ao contrário, envolve usar esse sentimento para aprimorar a compreensão de nós mesmos e dos outros. O remorso pode atuar como um alerta moral ou emocional, ajudando-nos a orientar nossas vidas de maneira mais sincronizada.

 


 



III. Culpa e responsabilidade.


A mãe lamenta ter perdido diversas oportunidades de emprego ao longo desses anos, recusando-se a considerá-las, uma vez que confiava na estabilidade do seu casamento e nunca imaginou ser traída, muito menos enfrentar dificuldades financeiras. O divórcio a pegou de surpresa, e quando tomou consciência, percebeu o quanto estava completamente desatualizada em sua área profissional.


Sair de relacionamentos ou empregos insatisfatórios pode ser um processo delicado e complexo, exigindo um planejamento cuidadoso para uma transição mais suave. Culpa e responsabilidade muitas vezes se misturam. A culpa pode revestir-se de uma autocrítica negativa, e a responsabilidade busca o reconhecimento do que foi feito e por quê. Reconhecer os erros e aceitar o que aconteceu são os primeiros passos que permitirão a possibilidade de mudança. Aceitar a responsabilidade pelos próprios atos torna-se fundamental para o desenvolvimento pessoal e a construção de um futuro diferente.

 

Caminhando um pouco além, aquele que verdadeiramente se arrependeu e mergulhou em profunda reflexão sobre si mesmo não se limita a permanecer nos lamentos das ações passadas. Mais do que simples remorso, mais do que apenas arrependimento, conduz-se a um desejo ardente de reparar os erros e o mal cometido. Essa necessidade representa um princípio rigoroso da justiça e pode manifestar-se de formas alternativas. Quando não é possível alcançar aquele a quem causou dor, assume a proatividade em relação aos outros. Se não é àquele a quem se causou a dor, será àqueles que estão sofrendo com alguma dor. No apaziguamento desses sofrimentos, vai recompondo-se diante da vida e em relação ao outro.

 

Bastante comum nos momentos difíceis, é pensar que a vida seria melhor se tivéssemos tomado certas decisões no passado, se tivéssemos feito escolhas mais acertadas. Para enfrentar isso, é importante que sejamos capazes de refletir não apenas sobre o que realmente aconteceu, mas também sobre o que poderia ter acontecido. Dessa forma, torna-se possível comparar esses dois pontos de vista e avaliar se o desfecho atual resultou, de fato, na opção menos favorável possível. 

 

Admiro a empatia e a compaixão presentes entre as mulheres. Durante muitos momentos, testemunhei uma verdadeira terapia, onde não faltaram conselhos e promessas de ajuda para as questões familiares e profissionais da amiga em desalento. O desabafo da mãe foi além das lágrimas, que acompanharam sua confissão ao reconhecer e compreender suas falhas no casamento. Ela já havia enfrentado uma tristeza profunda e, do fundo do poço, precisou encontrar forças para sair e iniciar as mudanças necessárias em sua vida.



 


IV. Metanóia.


A palavra "arrependimento", com origem no grego, deriva da palavra "metanóia". Em grego, "metanóia" é composta por “meta”, que significa mudança, e “noia”, que se refere à mente ou pensamento. "Metanóia", portanto, representa uma mudança profunda de perspectiva, pensamento ou atitude. Ao reconhecer suas ações, a pessoa decide com esforço mudar seu comportamento, implicando uma transformação real e uma alteração substancial nas crenças e na maneira de ver a vida. Essa raiz grega destaca uma mudança mais ampla e positiva do que simplesmente sentir remorso por ações passadas.

 

Nesse contexto, o remorso pode persistir como uma tristeza superficial, frequentemente acompanhada de promessas temporárias de mudança, sem a consistência do verdadeiro arrependimento. Existem pessoas conscientes do dano causado e que temem a punição; relutam, assim, em se arrepender profundamente, preferindo evitar as consequências negativas. O medo de perder ou ser punido supera o desejo de admitir seus erros.

O impacto do arrependimento não se limita apenas aos momentos após escolhas ruins;

somos também influenciados pela antecipação desse sentimento. Com frequência, evitamos realizar ações por medo de arrependimentos futuros.

 

Uma das amigas, com generosidade, se prontifica a auxiliar a mãe a explorar novas oportunidades de trabalho. No brilho surpreso de seus olhos e nos sorrisos compartilhados, testemunhei a beleza das trocas de olhares e informações. Como é belo o universo feminino, sempre se revela como uma sinfonia de sensibilidade, compaixão, carinho e cuidado. Nele, descortina-se o verdadeiro coração materno, repleto de amizade e acolhimento.

 

Em meio a essas demonstrações de solidariedade, somos lembrados de que, por vezes, a vida nos oferece oportunidades para redirecionar nossos caminhos e expressar arrependimento. Que possamos aprender com a empatia e compreensão presentes nas entrelinhas desse cenário feminino, reconhecendo a importância de corrigir nossos passos quando necessário. O poder do perdão e a capacidade de mudar são sementes que, uma vez plantadas, germinam em belos jardins de reconciliação e crescimento pessoal. Que o almoço, iniciado com a expressão “é o fim dos tempos”, possa nos inspirar a encerrar ciclos quando necessário, abrindo portas para o início de novos tempos, motivando-nos a cultivar conexões mais profundas e significativas em nossa jornada.

 

Reflita sobre a última vez que deixou de fazer algo por medo do arrependimento.

Qual era o teu receio? 

A efemeridade da vida nos cobra que não percamos as oportunidades, incentivando-nos a agir. Se você tem conhecimento do que precisa ser feito, coloque em prática.

Permita que essa clareza seja o seu guia.

 

Nas sábias palavras do filósofo Spinoza, somos alertados a "parar de bater no peito", evitando manifestações externas disfarçadas de tristeza, e somos incentivados a "rasgar o coração", uma metáfora potente que nos convoca à autenticidade e abertura.

 

Que esta reflexão funcione como um chamado à coragem, incentivando-nos a seguir em frente sem receios, abraçando as oportunidades com autenticidade e determinação. Portanto, o desafio é: agir com autenticidade, determinação e verdade. Pois é no âmago da sinceridade do coração que encontramos a força não apenas para evitar arrependimentos, mas para construir uma vida plena, significativa e mais feliz.


 

Esta é uma obra editada sob aspectos do cotidiano, retratando questões comuns do nosso dia a dia. A crônica não tem como objetivo trazer verdades absolutas, e sim reflexões para nossas questões humanas.

 


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